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A História da Modelagem do Vestuário

Evolução da modelagem no design do vestuário:

Do simples “ritual ancestral” às técnicas informatizadas.

Lins Soares, Vera Lúcia

O fator que mais influenciou a “invenção” das roupas foi a necessidade de proteção do corpo pelos nossos ancestrais. A partir do uso das peles, simplesmente jogadas sobre o corpo, surge também a necessidade de torná-las maleáveis para que tivessem melhor assentamento e conforto.

As primeiras manifestações de modelagem do vestuário surgem a partir do momento que o homem descobriu a técnica do curtimento das peles e da agulha de ossos, ainda no período Paleolítico.

Laver (1996:10) afirma que essas descobertas permitiram que as peles fossem cortadas e moldadas no corpo, tornando possível costurá-las. Alguns autores, denominam este tipo de vestimenta de Fourrure (que em francês significa peles).
Com a descoberta da fiação e do tear (Circe e Penélope), no período Neolítico, fica estabelecida a manufatura de tecidos: lã, cânhamo, algodão e linho, dando início ao que se pode, significativamente, chamar de vestimenta.

Os tecidos, em forma de retângulos, passaram a ser modelados em volta da cintura, formando um sarongue (forma primitiva da saia). Outro retângulo (ou quadrado) era moldado sobre os ombros e presos por Fibulae (broche).

Esta técnica primitiva de modelagem tridimensional em forma de “drapeamentos” de tecidos sobre o corpo, com o auxílio de “fibulae”, cordões, faixas e cintos, foi a marca do vestuário das antigas civilizações oriental e clássica , principalmente dos egípcios, gregos e romanos.
Por volta de 600 A.C. surge a tesoura, para dar início a técnica do corte no Oriente, com as modelagens em forma de túnicas. Rigueral (2002) afirma “que é nesse período, com as civilizações mais evoluídas, que vai surgindo aos poucos, através da modelagem a estética da roupa como forma de expressão visual”.

No início do período medieval, a característica da modelagem eram as túnicas amplas que passaram a ser a ser costuradas e, sobre elas, usava-se capas presa no ombro por broches, que poderiam ser de vários comprimentos.

A intenção estética da vestimenta era somente de cobrir o corpo como formas de proteção e de pudor; e os tecidos e ornamentos (bordados, pedrarias, jóias) tinham como função única de diferenciador social. Porém, no período das Cruzadas (século XI), Laver (1996: 56) cita, que a reabertura do comércio com o Oriente os cruzados
trouxeram não somente os tecidos, mas as próprias roupas. Com isso surge no Ocidente, segundo o mesmo autor, o início da técnica do corte, que no Oriente já era bastante aprimorada.

As mulheres ocidentais passaram a costurar os vestidos que ainda eram modelados no próprio corpo por meio de abotoamento lateral, de modo que a parte superior passou a ser ajustada sobre o busto e também com a abertura de pequeno decote quadrado.

Na verdade, nesse período, as corporações de ofícios formada pelos artesãos eram, na maioria das vezes, responsáveis pela confecção das roupas. Existiam aqueles que estampavam, bordavam os tecidos; os que modelavam e costuravam as vestes; os chapeleiros, sapateiros, etc. que eram contratados pelas classes mais elevadas.

Em meados do século XV, com as nações já estabelecidas e o aumento do luxo produzido pela prosperidade mercantil, principalmente das cidades italianas de Gênova, Veneza, Milão e Florença, têm início o período do Renascimento, marcado por grande transformação cultural em todas as áreas da sociedade européia. E com a modelagem das peças do vestuário, não foi diferente. Os grandes avanços ocorridos neste período representam abase de todos os processos tecnológicos de modelagem da atualidade.

No século XVI, período áureo do Renascimento, Fontes (2005) afirma que, com o aumento das fábricas de tecidos, grandes avanços ocorreram na arte da alfaiataria com relação a modelagem de peças do vestuário. Com a personalização do vestuário por toda a Europa, fazendo surgir o conceito de “moda”, esta arte (alfaiataria) passou a exigir cada vez mais novas técnicas de modelagem que se traduziram na especialização dessa atividade, através dos “mestres alfaiates”. “Estes procuravam garantir a qualidade do vestuário, assim como proteger os compradores”. (Fontes, apud: Duarte Nunes Leão “Livro de Registros dos Ofícios Mecânicos”, Compilado em 1562 para a Câmara de Lisboa, e confirmado em 1752).
O mesmo autor afirma que, apesar da simplicidade dos instrumentos de trabalho que se resumiam a tesouras, réguas e compassos, os alfaiates tinham que possuir conhecimentos de geometria, aritmética e das proporções do corpo Humano. Isso, por sua vez, exigia um longo aprendizado necessário para o exercício da arte de modelagem das peças do vestuário.

Afirma ainda o mesmo autor, que os grandes avanços nas técnicas de corte, começaram por volta de 1589, quando é publicado em Madrid (Espanha), o primeiro livro sobre as técnicas de alfaiataria Livro de Geometria y Traça de Juan de Acelga. As extraordinárias variedades das formas do vestuário contidas nesta obra impõem um desenvolvimento técnico incomparável nos séculos seguintes.

Nesse contexto, Laver (1996: 132) confirma o citado acima, quando afirma que a partir das técnicas de alfaiataria surgidas nesse período as roupas atingiram um grau surpreendente de elaboração e refinamento. Ele atribui essas qualidades aos avanços da modelagem, confirmados pela ilustração (fig. 138) anexada à sua obra, extraída da IN Enciclopédie Méthodique, de 1748, onde se vê uma sala de trabalho de uma costureira (com mesa apropriada para modelar e cortar) e diagramas mostrando o método do corte através dos moldes prontos.
Com estes avanços, a França lança a primeira Escola de Moda, exclusivamente para alfaiates e sapateiros, em 1780. Mas é a Inglaterra que se destaca com a adoção da alfaiataria, lançando moda masculina para toda a Europa.

Segundo Laver (1996: 158), este fato se “deveu em grande parte, à habilidade superior dos alfaiates de Londres, treinados para trabalhar a “Casimira”. Esse tecido, de maneira diferente da seda e de outros materiais finos, pode ser esticado e, desse modo, bem moldado”.

Procurando um conhecimento mais exato das medidas básicas do corpo humano, os alfaiates lançaram as bases da antropometria. Segundo Fontes (2005), deve-se a H. Guglielmo Compaign o estabelecimento das primeiras Tabelas de Medidas e o princípio do “Escalado”. A sua obra A Arte da Alfaiataria - 1830” revolucionou as técnicas de modelagem em toda a Europa.

Em 1849 –três anos após a invenção da máquina de costura, pelo norte-americano Elias Howe– duas grandes invenções muito contribuíram para o desenvolvimento técnico da modelagem: a Fita métrica (1847) e o Busto Manequim (1849), ambos por Aléxis Lavigne. Instrumentos estes, ainda hoje indispensáveis para as técnicas de modelagem plana manual e tridimensional.

Com todas estas técnicas de modelagem desenvolvidas no período de Revolução Industrial na Inglaterra e com a implantação da primeira indústria têxtil produzindo tecidos com larga produção em série, a moda encontra uma grande maneira de se modificar: Em 1850, na França, surge o conceito de Alta-Costura criado pelo Inglês
–radicado em Paris– Charles Frederich Wort. Suas criações e o seu sistema de trabalho através da moulage deram à moda uma grande importância como forma de expressão visual e estética que marcaram uma época.O século XIX, se comparado aos séculos passado, termina com a moda adquirindo aspectos de identidades muito particulares já em suas formas, utilizando-se das diversas referências possíveis adquiridas pelas técnicas de modelagem. E foram estas técnicas que permitiram a abertura da primeira Indústria de confecção com produção em série no segmento de uniformes e roupas de trabalho, com a graduação (ou gradação) de moldes nos vários tamanhos.

Na virada do século XIX até meados dos anos 60 do Século XX, a alta costura conhece o seu período áureo.

Alguns dos seus mestres adquirem renome internacional, com a técnica da moulage adaptando-a aos novos tecidos e às novas e variadas formas de design do vestuário.
A segunda metade desses anos são marcados por profundas transformações neste setor. Por outro lado, começa a surgir uma nova classe de estilistas, voltados para a consultoria nas grandes indústrias, as quais, a partir dos anos 50 deste mesmo século, se afirmam no mercado com suas produções em grande escala (frutos
do Read-two-wear e do Prêt-à-pòrter). Os gostos orientamse agora para os produtos em série, o consumo de massas e, segundo Araujo (1996), com produtos estruturados através da modelagem plana, a partir dos moldes bases que são construídos com o auxílio de tabelas de medidas padronizadas pela ISO.
A aprendizagem e as novas técnicas de modelagem começam a estruturar-se de forma mais sistemática e de acordo com as exigências dos novos tempos. Ampliamse as publicações de revistas com vários conceitos de moda, novas tendências e modelos acompanhados pelas suas respectivas modelagens, para serem reproduzidas de forma prática, em vários tamanhos e acessíveis às pessoas que tenham o conhecimento mínimo na arte do corte e costura.

A partir dos anos 80 do século XX, as indústrias de confecção conhecem então um enorme crescimento, tornando-se um dos setores fundamentais da economia mundial. Diante deste fato, não é de se estranhar que grandes nomes da moda tenham-se integrado nos grandes sindicatos e associações da indústria têxtil e da indústria de confecção. Nem ao menos deve-se estranhar também, o número cada vez mais crescente de cursos técnico e “o academicismo de moda, formando novos profissionais para atender uma crescente demanda de mercado e se especializando nas novas técnicas informatizadas de produção”. (Braga: 2004).

Em relação a modelagem, além da moulage –método bastante utilizado na alta-costura– e da modelagem plana manual, os sistemas computadorizados surgiram para acelerar os processos de produção das grandes indústrias, construindo moldes planos (ou bidimensionais) com um alto grau de qualidade no espaço de tempo bastante reduzido.

O sistema CAD é o mais utilizado na atualidade nas indústrias de grande porte. Ele é composto de um “monitor”, uma mesa digitalizadora ou scanner e um plotter.
A mesa digitalizadora é usada para se fazer as marcações de pontos ao longo das bordas de um molde; esses pontos são convertidos em caracteres codificados (forma que o computador entende), para então serem transferidos para o monitor. Uma vez transferidos, o computador permite fazer alterações nos moldes, graduação e encaixe. O plotter permite a impressão dos moldes em tamanho natural e com o encaixe, prontos para seguirem para o setor de corte. (Araújo: 1996).
Segundo o mesmo autor, a maioria dos modelistas que trabalha com esses sistemas computadorizados, prefere fazer manualmente o molde base (feito sempre em tamanho médio, para facilitar a graduação) e depois digitaliza- lo para o computador e, então, fazer alterações, graduações, etc.

Esses sistemas possuem funções que permitem a qualidade total. Entre esta, podemos citar:

• O arquivamento dos moldes na memória do computador, evitando os danos causados pelos moldes feitos manualmente em papel Kraft; Precisão nas medidas, obtendo assim moldes perfeitos;
• Desenho e impressão de peças com encaixe, apenas em alguns segundos, caso venham ser utilizados novamente, formando outros lotes para a produção.
O sistema “Accumarc Silhouete”, permite ao modelista o uso de suas ferramentas preferidas. Ele é uma combinação da automatização computadorizada com o desenho.

Nele encontram-se todas as ferramentas utilizadas na modelagem plana manual, permitindo ao modelista o uso ou não das mesmas.

Nestes primeiros cinco anos do século XXI, transformações contínuas ocorrem na base do sistema do vestuário.

As indústrias de confecção buscam novas tecnologias para melhorar o processo de produção sempre com novos diferenciais para competirem no mercado, atendendo uma clientela que está sempre a exigir mais conforto e mais qualidade como uma forma de valorização da estética.

Nesse contexto, a escolha do tipo de modelagem a ser utilizada se apresenta como um diferencial, uma ferramenta de fundamental importância para o desenvolvimento dos modelos com um alto padrão de qualidade.

Com isso, o profissional, acima de tudo, deve saber relacionar o modelo a ser desenvolvido com a segmentação de mercado consumidor e / ou cliente específico, para obter modelagens no “design” do vestuário pautado no conforto, na praticidade, funcionalidade, além do aspecto estético visual.

Referências bibliográficas

- Araújo, Mário de. Engenharia e design do produto. Lisboa: Universidade aberta, 1995.
- Tecnologia da confecção. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995.
- Crawford, A. C. The art of fashion draping. New York: Second Edition, Fairchild Publications, 1998.
- Durand, José Carlos. Moda, luxo e economia. São Paulo: Babel Cultural, 1988.
- Grave, Maria de Fátima. A Modelagem: sob a óptica da ergonomia. São Paulo: Zennex Publishing, 2004.
- Laver, James. A Roupa e a Moda. Uma história concisa. São Paulo: Cia. Das Letras, 1996.
- Rigueral, Carlota . Design & moda: como agregar valor e diferenciar sua confecção. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas. Brasília-DF Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.
- Souza. Sidney Cunha de. Introdução à modelagem industrial. Rio de Janeiro: SENAI/DN, SENAI/CETIQT, CNPq, IBICT, PADCT, TIB, 1997.
- Treptow, Dóris. Inventando moda: planejamento de coleção. Brusque - D. Treptow, 2003.
Artigos da mídia eletrônica
- Fontes, Carlos. Alfaiataria em Portugal - extraído do “O livro das profissões” http//www.forma.do.sapo.pt/page8. html.
Vera Lúcia Lins Soares. Estilista, Universidade Federal do Ceará. Aluna, pós-graduação em Metodologia do Ensino em Arte Educação Universidade Estadual do Ceará. Professora SENAI - Fortaleza-Ce e Universidade Federal do Ceará

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